Marcio Thomaz Bastos, que gerou um tenso desentendimento entre os ministros Joaquim Barbosa (relator) e Ricardo Lewandowski (revisor), nove dos 11 integrantes do Supremo Tribunal Federal formaram maioria, e rejeitaram a questão de ordem proposta pelo ex-ministro de Justiça do Governo Lula — defensor de um dos 38 réus da ação pena do mensalão do PT — a fim de que a Ação Penal 470 fosse desmembrada, com o envio dos autos à Justiça de primeira instância no que diz respeito a 35 dos 38 réus do processo. Apenas três deles — os deputados João Paulo Cunha, Valdemar Costa Neto e Pedro Henry — gozam de foro no STF por prerrogativa de função, e seriam os únicos a serem julgados pela Corte se prevalecesse a questão de ordem levantada pelo defensor do réu Roberto Salgado (ex-diretor do Banco Rural).
Os ministros Rosa Weber, Luiz Fux, Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Cezar Peluso, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Ayres Britto acompanharam o voto do relator Joaquim Barbosa, e manifestaram-se contra o voto do revisor, que deferira, no início do julgamento, a questão de ordem proposta por Thomaz Bastos. Marco Aurélio foi o único que aderiu ao voto do ministro-revisor.
A maioria formada entendeu que a questão já fora superada no decorrer do inquérito e da atual ação penal, na decisão de recursos da defesa dos réus, e que o “juízo único” é constitucional, prevalecendo em face do Pacto de San José de Costa Rica, que consagra o “duplo grau de jurisdição”. Tanto Fux como Toffoli ressaltaram que a Constituição, ao estabelecer o foro privilegiado do STF por prerrogativa de função para congressistas, “constitucionalizou” o “juízo único”.
No caso do processo do mensalão, o plenário já tinha decidido, duas vezes que a ação penal era tão intrincada, tendo em vista o esquema dividido em três “núcleos”, com a inclusão do crime de formação de quadrilha, que seria impossível seccioná-lo e encaminhar à instância comum os réus sem prerrogativa de foro especial. O ministro Gilmar Mendes chegou a afirmar que se tivesse havido o desmembramento do feito, o processo “estaria espalhado por aí, e seu destino seria a prescrição” .
Marco Aurélio manteve o seu entendimento já conhecido, na linha do ministro-revisor, no sentido de que era “absoluta” a incompetência do STF de manter no foro especial do Supremo aqueles réus — no caso da AP 470 , apenas três dos 38 — que não detêm a prerrogativa de foro privilegiado por prerrogativa de função. Mas fez um apelo para que a diiscussão fosse mantida “no plano das ideias e não no plano pessoal”, numa referência ao áspero desentendimento entre os ministros Joaquim Barbosa e Ricardo Lewandowski no início da sessão, que será retomada ainda neste início de noite, com a apresentação do relatório resumido do ministro-relator.
Início tenso
O julgamento da ação penal do mensalão do PT começou agitado logo na abertura dos trabalhos, às 14h30 desta quinta-feira, quando o advogado Marcio Thomaz Bastos — antes da leitura do relatório do ministro Joaquim Barbosa — levantou polêmica questão de ordem para solicitar o desmembramento do processo, com o envio dos autos à Justiça de primeira instância no que diz respeito à grande maioria dos réus, que não é formada por parlamentares. Thomaz Bastos afirmou que o ministro-relator Joaquim Barbosa havia recusado — sem pronunciamento definitivo do plenário quanto ao aspecto constitucional — questão de ordem anterior e um agravo sobre “a incompetência do Supremo de julgar réus que não têm direito a foro privilegiado por prerrogativa de função”.
Thomaz Bastos provocou indignada reação de Barbosa, sobretudo quando o seu colega Ricardo Lewandowski, revisor da ação, apoiou a questão levantada pelo ex-ministro da Justiça do governo Lula, que é advogado do réu Roberto Salgado, ex-diretor do Banco Rural. Joaquim Barbosa acusou o ministro-revisor de “deslealdade”, já que estava fazendo a revisão do processo há mais de seis meses, e não adiantara a ele, relator, o seu ponto de vista.
Lewandowski reagiu: “Estou absolutamente à vontade para encaminhar um voto com todo o respeito no sentido contrário ao relator. Digo que estou absolutamente à vontade por que, nos últimos seis meses, examinei de forma vertical os autos. Tenho um alentado voto que posso proferir a qualquer momento. Por ocasião do recebimento da denúncia, me manifestei pelo desmembramento. Ainda ontem decidi, a pedido do Procurador-Geral da República, remeter ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) o inquérito do ex-senador Demóstenes torres, cassado pelo Senado”.
E passou a ler o longo voto que preparou sobre o assunto, propondo uma revisão do processo com relação aos réus (a maioria), ficando no STF apenas os que têm mandato no Congresso.
A questão de ordem
Bastos pediu a palavra, pela ordem, para dizer que, em 31 de agosto do ano passado, ao ingressar como advogado no feito, apresentou petição ao relator a fim de que levasse ao plenário questão de ordem “averbando a incompetência constitucional do STF para julgar réus que não tivessem a prerrogativa de foro”. A questão foi rejeitada, apesar dos recursos que interpôs.
Para Bastos, a matéria não foi decidida pelo plenário sob o enfoque constitucional, mas apenas “à luz da legislação infraconstitucional”. E fez a seguinte exposição: “Nunca, em nenhum momento, foi enfrentada por esta Corte, em termos constitucionais, a impossibilidade da extensão das competências a réus que não tenham o foro de prerrogativa. Todas as vezes em que isso foi discutido foi em termos de utilidade ou não. Não se venha dizer se trata de expediente para adiar o julgamento. Se a questão de ordem for concedida, o processo vai pronto para um juiz natural dar a sentença; é possível que a sentença seja dada antes do final desse julgamento plenário. O fato é que o eminente relator trocou o efeito pela causa. A causa de pedir foi a incompetência da corte para julgar quem não tivesse prerrogativa de foro. E o efeito é o desmembramento do feito. É a primeira vez que a causa é colocada aqui. Olhando a jurisprudência da Corte, examinando a jurisprudência em outros casos, vemos que oito ministros já disseram que a Constituição quer que as pessoas que não tenham foro sejam julgadas pelo juiz natural, e que seja assegurado o duplo grau de jurisdição”.
Bastos acrescentou que “o ministro Marco Aurélio tem toda razão quando diz que artigo 102, número 1, letras b e c da Carta somente pode ser entendido estritamente. Só pode ser estendido para os que não tem prerrogativa de foro por”. Ou seja, deve haver “respeito ao princípio do juiz natural”.
Relatório
A sessão inicial do julgamento do mensalão foi reiniciada no início da noite, com a leitura, pelo ministro-relator, Joaquim Barbosa, de um resumo de cerca de 50 páginas de seu relatório de 122 folhas que já tinha sido enviado aos seus colegas e divulgado na imprensa em dezembro do ano passado. Por volta das 19h30, os três ministros que atuam também no Tribunal Superior Eleitoral — Cármen Lúcia, Marco Aurélio e Dias Toffoli — deixaram o plenário, já que tinham sessão extraordinária naquela Corte.
Pouco depois, Barbosa encerrou a leitura do relatório — ao qual nada acrescentou — ficando para esta sexta-feira, a partir das 14 horas, a sustentação oral do procurador-geral da República. O ministro-revisor, Ricardo Lewandowski, aprovou o relatório do relator, sem comentários.
A sustentação de Roberto Gurgel, que deve durar cinco horas, estava prevista para esta quinta-feira, mas foi adiada em face da polêmica questão de ordem levantada, no início dos trabalhos, pelo advogado Marcio Thomaz Bastos.
O cronograma do julgamento do mensalão foi, portanto, atrasado em um dia, pois na sessão desta sexta-feira começaria a série de sustentações orais dos advogados dos réus do mensalão, a partir da defesa do réu José Dirceu, apresentado na denúncia do Ministério Público Federal como o chefe da “sofisticada organização criminosa” montada para “garantir a continuidade do projeto de poder do Partido dos Trabalhadores, mediante a compra de suporte político de outros partidos”.
JB