TRÁFICO
Periferia domina mercado do crack
Bairros periféricos viraram fábricas da droga e campos de consumo, afirma Equipe de Abordagem de Rua
"Ronda captura grupo com crack no bairro Montese", "Polícia desmonta laboratório de drogas no bairro Maraponga" "Laboratório de crack é fechado pela Polícia Civil na Granja Lisboa". Manchetes recentes do Diário do Nordeste comprovam a afirmação do coordenador da Equipe Interinstitucional de Abordagem de Rua de Fortaleza, Manoel Torquato, de que os bairros da periferia de Fortaleza viraram fábricas do tráfico e campos de consumo de usuários do crack.
Não é novidade para a população da Capital que o crack está disseminado em toda a cidade. Na última semana, a reportagem registrou flagrantes em vários pontos no Centro e até na Avenida Beira-Mar. Porém, hoje, é a periferia que anda dominando esse mercado.Segundo Manoel Torquato, as bocadas ficam localizadas em ruelas perigosas, de difícil acesso para a Polícia, imprensa e até para os educadores sociais que atuam nos bairros.
Ele explica que, há cinco anos, os pontos de crack se concretizavam nas áreas de grande fluxo, lugar onde eles conseguiam dinheiro para manter o vício. No entanto, de acordo com ele, devido aos avanços do comércio e ao aumento da renda per capita nas favelas e nas áreas de risco, os usuários de crack não precisam mais migrar para bairros nobres.
É o que afirma também Maria dos Anjos (nome fictício), 15 anos, usuária de crack desde os 13. Moradora do bairro Álvaro Weyne, localizado na Secretaria Executiva Regional I, ela conta que consegue facilmente por R$ 5,00 a pedra de crack tanto na sua comunidade quanto no entorno. "Não preciso ir muito longe para conseguir dinheiro. De noite, me prostituo na Barra do Ceará e, de manhã, compro o crack com o dinheiro que ganhei", relata. A jovem, que estudou em escolas particulares e cursou até o 2º ano do Ensino Médio, conta que começou a usar a maconha, depois passou para a cocaína, mas foi por causa do crack que sua vida caiu em ruínas. A menina de classe média foi adotada por um casal de tios maternos quando tinha um ano e três meses. Ela explica que a mãe era viciada em bebidas alcoólicas e não tinha condições de educá-la.
Apesar de todo amor e carinho recebido pelos pais adotivos, ela se envolveu com amigos que a levaram para o caminho das drogas. Magra, muito debilitada e com aparência envelhecida, a menina tenta hoje se recuperar do vício frequentando o Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Outras Drogas (Caps AD), na Barra do Ceará. "Aprontei tanto que os meus pais lavaram as mãos. Tenho o sonho de um dia me livrar desse vício e ser uma médica. Quero servir de exemplo para aqueles que estão começando nas drogas", diz.
Perfil do usuário
A assistente social Raquel Borges explica que, nos últimos anos, o número de usuário de crack nos quinze bairros pertencentes à Secretaria Executiva Regional (SER) I aumentou consideravelmente. Segundo ela, dos 3.250 usuários atendidos no Caps AD no ano passado, cerca de 70% usavam a droga.
Raquel, que também realiza visitas domiciliares nos bairros, comenta que, além das bocadas localizadas em terrenos baldios, a nova estratégia dos usuários é fumar nos próprios barracos. "Muitos traficantes e até usuários alugam os quartos para servir de local de venda e consumo, assim é mais difícil ser localizado tanto pela Polícia, quanto pela imprensa. Porém, quando fazemos as visitas, sentimos os odores e isso nos deixa triste".
Segundo ela, o Caps AD atende cerca de 80 usuários de álcool e outras drogas. Lá, eles participam de reuniões preventivas, oficinas de música, artes plásticas, praticam esportes, fazem curso de corte e costura, pintura entre outras atividades. Além disso, de acordo com ela, o órgão dispõe de dois leitos para abrigar os usuários em momentos de crise. "Recebemos pessoas de todas as idades e profissões, mas os usuários de crack são os mais difíceis de se trabalhar, pois essa droga impede a socialização dos indivíduos", analisa.
OPINIÃO DO ESPECIALISTA
A pedra ou a vida
O transtorno causado pelo crack é ainda mais desastroso do que o relacionado às outras drogas. Ele é mais voraz. Destrói o indivíduo de forma mais rápida, tanto em termos físico, como social e psicológico. A dependência se instala em pouco tempo de uso.
A abordagem terapêutica é extremamente complexa. Primeiro, porque nem sempre existe uma demanda explícita. Ele vai procurar tratamento levado pela família ou por circunstâncias impostas pela Polícia ou pela Justiça.
A primeira intervenção será no sentido de entender aquele caso. E, cada situação é um caso. Pois, a abordagem correta não pode esquecer as diversas dimensões que compõem a vida humana. Não é apenas uma luta entre o usar ou não usar a droga, mas buscar reestruturar essa vida.
Diante disso, cabe insistir na importância da prevenção. Trata-se de uma droga muito maléfica. Uma verdadeira praga. Porém, essa prevenção não deve ser construída pelo medo ou desespero, mas pela abertura de outras oportunidades aos jovens.
Antônio MourãoMédico, antropólogo e professor universitário
Crianças e jovens são as maiores vítimas
Dados da Pesquisa Anual sobre a Vivência de Crianças e Adolescentes em Situação de Moradia de Rua, realizada pela Equipe Interinstitucional de Rua de Fortaleza em 2010/ 2011, mostram que, dos 177 entrevistados em diversos bairros da Capital, 73 confessaram ser usuários de crack. Ainda conforme a pesquisa, a droga é a mais consumida por esses jovens, totalizando 41% dos entrevistados.
Conforme Manoel Torquato, coordenador do órgão, o uso do crack é um fator fundamental para a permanência das crianças e adolescentes em situação de rua. Ele afirma que a demanda de tratamentos específicos para este público é essencial para a solução deste problema.
"Sabemos, a partir das análises e práticas das instituições que atuam com estas crianças e adolescentes, que a relação com esta droga vem sendo fator preponderante no extermínio de crianças e adolescentes, nas relações de exploração sexual, nos aumento dos índices de violência e na própria perpetuação da permanência de crianças e jovens nas ruas", destaca.
A pesquisa ainda revela que o perfil do usuário de drogas está mudando, pois, se forem comparados os dados de 2010/2011 com os dados de 2007, o crack assumiu o lugar do solvente. Torquato explica que, há cinco anos, a substância era consumida por 45% dos moradores de rua. Atualmente, somente 4% fazem esse consumo.
A Secretaria Municipal de Saúde (SMS), afirma disponibilizar para população seis Centros de Atenção Psicossocial Álcool e Outras Drogas (Caps AD), 12 leitos no Serviço Hospitalar de Referência em álcool e outras Drogas na Santa Casa de Misericórdia, dois Consultórios de Rua, além de 120 vagas em convênio com comunidades terapêuticas.
Fonte: Diário do Nordeste