No escândalo do petrolão, o Congresso protege os seus
Com dezenas de parlamentares investigados na Lava Jato, Câmara e Senado se omitem e conselhos de ética seguem parados; enquanto isso, a CPI caminha para a irrelevância
A esta altura, não há quem discorde que o esquema de corrupção instalado na Petrobras durante os governos do PT foi a maior engrenagem de desvio de recursos já existente no país. O mensalão, embora gravíssimo, movimentou quantias muito menores. Outros escândalos, como o dos Anões do Orçamento e a máfia dos sanguessugas, seriam inimagináveis em repúblicas consolidadas, mas se tornaram secundários no Brasil diante das dimensões dos crimes evidenciados pela Operação Lava Jato.
A lista de parlamentares formalmente investigados por participarem dos desvios da Petrobras tem 34 nomes. Muitos outros já foram citados pelos delatores e devem entrar no alvo do Ministério Público. Ainda assim - ou talvez, por causa disso - o Congresso Nacional se omite vergonhosamente até aqui. Os Conselhos de Ética da Câmara e do Senado nem mesmo se reuniram em 2015. Não há partido que apresente pedido de processo por quebra de decoro contra colegas que, de acordo com provas fornecidas pelos próprios delatores, receberam propina no esquema. E a CPI da Petrobras caminha com firmeza rumo à irrelevância.
No petrolão, são tantos os envolvidos, de tantos partidos diferentes e por meio de tantos corruptores, que os parlamentares com condições éticas de apontar o dedo para os colegas parecem ter desaparecido. "Na época do escândalo do mensalão, as denúncias reverberaram muito mais. As condições políticas eram outras. Agora há um pouco mais de cautela até porque o arsenal de argumentos de defesa se sofisticou", justifica o deputado Chico Alencar (RJ), do Psol. O partido costuma tomar a dianteira na apresentação de pedidos de cassação, mesmo quando há provas incipientes ou a razão é simplória - uma frase desastrada do deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ) em um programa humorístico na TV, por exemplo. Desta vez, o partido recorreu apenas à Corregedoria da Câmara (que nada fez) no início das denúncias. E só.
Quase todos os grandes partidos estão, embora em proporção diferente, comprometidos pelas investigações. A principal sigla da oposição foi atingida, mesmo que colateralmente, pelo escândalo. O senador Antonio Anastasia (PSDB-MG), afilhado político de Aécio Neves, está na lista de investigados pela Procuradoria-Geral da República. Aloysio Nunes Ferrera (PSDB-MG), vice de Aécio na disputa presidencial de 2014 e nome próximo ao também senador José Serra (PSDB-SP), foi citado pelo delator Ricardo Pessoa como um dos favorecidos pelo dinheiro sujo.
Ainda assim, o líder do PSDB na Câmara, Nilson Leitão (MT), diz que o motivo para a falta de ação do partido é outra: "A gente acredita muito em quem está comandando a investigação e não quer dar um passo maior que a perna. As novidades que poderão ocorrer nos próximos dias vão nos dar mais tranquilidade para essa cobrança". Ele também enfatiza que, para o partido, o grande alvo é o governo de Dilma Rousseff.
Ricardo Pessoa afirma ter repassado propina para Júlio Delgado, um dos deputados mais atuantes do PSB. E há indícios de que o esquema de corrupção favoreceu o ex-governador Eduardo Campos, que era o líder máximo do partido e morreu há um ano. O Solidariedade (SD), outro partido de oposição, tem seu principal nome - o deputado Paulinho da Força - também implicado pelas revelações de Ricardo Pessoa.
Dentro da base, PT, PMDB, PP e PTB são atingidos diretamente pelas investigações. Isso significa que, na Câmara dos Deputados, quase 60% dos parlamentares pertencem a legendas com personagens do escândalo.
A comparação com casos recentes demonstra o quão rapidamente a bancada da ética, mesmo que defendida por interesse próprio, perdeu força na política.
O escândalo Cachoeira, em 2012, foi incomparavelmente mais modesto do que os outros, mas ainda assim desencadeou a cassação do senador Demóstenes Torres e levou quatro deputados ao Conselho de Ética. Um deles, Carlos Alberto Leréia (PSDB-GO), foi punido com suspensão do mandato.
Na investigação sobre a máfia das sanguessugas, 72 deputados foram parar no Conselho de Ética. Sete deles perderam o mandato, por cassação ou renúncia. No caso do mensalão, mesmo antes da denúncia do Ministério Público, três deputados foram cassados e outros quatro renunciaram.
Desta vez, se os deputados e senadores agirem para punir os envolvidos no escândalo da Lava Jato, não poderão deixar de pressionar os próprios presidente da Câmara e do Senado. Eduardo Cunha e Renan Calheiros fazem parte do rol de investigados do petrolão.
CPI - Na mesma tarde em que o delator Júlio Camargo dava à Justiça detalhes de como repassou 5 milhões de reais de propina a Eduardo Cunha, a CPI da Petrobras realizava uma sonolenta audiência com os ministros-chefes da Advocacia Geral da União e da Controladoria Geral da União.
Dois dias antes, os membros da CPI tomaram o depoimento de Stael Fernanda, ex-mulher do falecido deputado José Janene. Mais uma vez, a testemunha convocada em nada acrescentou às investigações. Enquanto isso, personagens-chave do esquema continuam sem serem ouvidos pela Comissão Parlamentar de Inquérito. É o caso de Paulo Okamotto, chefe do Instituto Lula, e de Edinho Silva, tesoureiro da campanha de Dilma Rousseff em 2014. Se o prazo de funcionamento da CPI não for novamente prorrogado, ela terá de ser encerrada daqui a pouco mais de um mês. Sem dar boa parte das respostas que o país exigia.
Quando os historiadores do futuro olharem para os relatos sobre os tempos do petrolão, talvez o único fato tão surpreendente quanto as dimensões do esquema será a falta de reação dos políticos para punir os seus colegas envolvidos.
Revista Veja...
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