POR UM FIO
Problemas estruturais podem levar o Brasil a um verdadeiro apagão até 2020
O primeiro-ministro do Reino Unido, Winston Churchill (1874-1965), costumava dizer que "sempre evitava profetizar antecipadamente porque é preferível profetizar depois que o evento tenha ocorrido". Ao contrário do estadista britânico, o setor elétrico precisa antecipar seus problemas. É o que determina o sucesso na construção de novas fontes de geração de energia para atender à crescente demanda do País. Nos últimos anos, o Brasil afastou o risco de racionamento.
Até 2020, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) está seguro de que o abastecimento está garantido. Muito, é verdade, pela recessão e o encolhimento da economia nacional. No entanto, o risco de apagão é crescente em razão de problemas com as linhas de transmissão, alertam especialistas ouvidos pela DINHEIRO. Não basta incentivar a construção de novas usinas, sejam hidrelétricas ou eólicas, se faltam fios para ligá-las às distribuidoras.
Um crescimento mais acelerado da atividade econômica poderá colocar o sistema elétrico nacional em xeque. Expansão de mais de 2% do PIB pode ser fatal. “A preocupação tem a ver com a falta de robustez da transmissão e a alta demanda de consumo nos horários de pico”, diz Claudio Sales, presidente do Instituto Acende Brasil. “A situação se torna mais grave à medida que a nova energia começa a ser produzida e entra no sistema.” Desde 2012, há um descasamento entre os leilões de geração e de transmissão de energia.
A falta de empresas interessadas em construir a infraestrutura para ligar os fios entre as usinas e as distribuidoras tem aumentado ano a ano. Entre 2012 e 2016, 40% dos projetos não receberam proposta. Há vários empecilhos que afugentam os investidores, que vão do licenciamento ambiental, passam pelas regras tarifárias estabelecidas pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e chegam até o financiamento das obras. A Aneel tem buscado soluções, como aumentar o prazo para as empresas conseguirem as licenças ambientais (embora tenha ocorrido uma redução de 62 dias em dois anos) e discutir aspectos da remuneração.
Mas estudo do ONS aponta que a geração prevista para o início de 2017 será maior que a capacidade das linhas de transmissão. A situação se repetirá até 2019, nos períodos de maior produção das hidrelétricas. No próximo ano, por exemplo, deixarão de entrar no sistema 1,2 mil Megawatts (MW) de energia, equivalente a uma usina de Teles Pires, no Mato Grosso, que custou R$ 4,5 bilhões. “Há, de fato, risco de usinas de geração ficarem prontas e a energia não ter capacidade de entrar no sistema”, diz Jorge Pereira da Costa, sócio da consultoria Roland Berger, que foi contratada pela Aneel para fazer uma análise da situação do País.
O cenário que se apresenta é uma catástrofe semelhante à dos parques de energia eólica. A Renova Energia cumpriu o prazo de fazer os aerogeradores funcionarem em julho de 2012. Mas os cataventos ficaram como peças de decoração, no sudoeste da Bahia, por dois anos, quando as linhas de transmissão ficaram prontas e colocaram os 294 MW no sistema – suficiente para abastecer 540 mil residências. “Depois da queda na demanda de energia, não precisa mais se preocupar com a geração”, diz Thais Prandini, sócia da consultoria Thymos Energia.
“A prioridade é o investimento na transmissão, principalmente com as questões de Abengoa e Isolux que precisam ser resolvidas.” As espanholas Abengoa e Isolux são as principais representantes dessa tragédia anunciada. Juntas, elas são responsáveis por pouco mais de 20% da construção de linhas de transmissão em todo o Brasil. O caso mais sério é o da Abengoa. Em processo de recuperação judicial na Espanha, com um endividamento de quase US$ 11 bilhões, a empresa está sendo investigada por casos de corrupção nos Estados Unidos e no Brasil.
A Operação Lava Jato identificou o pagamento de propina a um executivo da Eletronorte para assinar um contrato de R$ 92 milhões. Seus projetos de construção de linhas de transmissão no País foram abandonados em outubro do ano passado. A Abengoa tem 6,3 mil quilômetros de linhas que precisam ser construídas, um investimento estimado em mais de R$ 2,5 bilhões. Há nesses projetos várias partes essenciais para o conjunto do sistema, como o escoamento da energia gerada pela Usina de Belo Monte para os estados do Nordeste.
O BNDES, que liberou R$ 600 milhões no segundo semestre de 2015 para a empresa, mesmo com todos os sinais de dificuldade, é o principal credor nacional. Até o momento, apenas a chinesa State Grid e a brasileira Taesa, que pertence à Cemig, mostraram interesse em ficar com os ativos da Abengoa. A operação, porém, é complexa e não pode ser resolvida unilateralmente, sem a presença do regulador. Será preciso rever os preços do leilão e conferir se os perdedores daqueles certames não teriam interesse em fazer novas propostas. A expectativa é que o caso seja resolvido ainda neste ano.
Com pouco mais de 1,1 mil quilômetros de linhas, a Isolux segue na mesma direção de sua conterrânea. A empresa tem participação, por exemplo, em parte do linhão que vai ligar a usina de Tucuruí, no Pará, a Manaus, no Amazonas. A Isolux culpa o licenciamento ambiental pelo atraso na obra. Mas essa desculpa tem ajudado a companhia a mascarar seus problemas financeiros. Pessoas próximas à Isolux relataram à DINHEIRO que o momento é de fazer conta. As exigências técnicas são muito elevadas e a empresa está olhando para o prejuízo.