'Eleição de Tancredo Neves foi comprada', dispara Agnaldo Timóteo
Nos 30 anos do fim da ditadura militar, O DIA conversou com Saturnino Braga e Agnaldo Timóteo, que participaram da eleição do presidente civil, em 1985
Há 30 anos, o Brasil pôs fim a duas décadas de ditadura militar, com a eleição, ainda indireta, de um presidente civil, iniciando o processo de redemocratização do país. O DIAconversou com dois parlamentares fluminenses que participaram da eleição de Tancredo Neves, no dia 15 de janeiro de 1985, iniciando a Nova República.
Ambos eram do PDT, mas têm memórias históricas diferentes. Um, o então senador Saturnino Braga, 83, acreditava que a união da oposição em torno de Tancredo era necessária para superar o regime militar. Já o deputado federal Agnaldo Timóteo, 78, via em Paulo Maluf a segurança contra qualquer mudança radical no cenário político do país.
Agnaldo, há 30 anos você votou em Paulo Maluf, no Colégio Eleitoral que deu vitória a Tancredo Neves. Por quê?
Agnaldo Timóteo: Fui procurado pelo Maluf. Como administrador, Maluf é simplesmente irretocável. Querendo mudar meu voto, o (cartunista) Ziraldo me levou até Tancredo, que já estava muito debilitado. No encontro, ele quase caiu, num carpete. Foi nosso único encontro. Um dia, um deputado do PDT, Fernando Lira, de Pernambuco, me chamou e disse o PDT queria que eu acompanhasse o partido, queriam que eu votasse no Tancredo. Não votaria. Ele estava doente e não tinha condição.
Foi nesse encontro que você percebeu que Tancredo estava doente?
Antes disso. Eu fui à casa do Maluf, e ele me disse: "Agnaldo, se você achar que seu voto vai lhe prejudicar com o PDT, pode votar no Tancredo, que está muito doente. Ele só consegue disputar agora. Eu não, tenho ainda pelo menos mais cinco." Com isso, ainda tentei mudar a cabeça da liderança do PDT, mas não consegui. O pessoal do Tancredo estava dando dinheiro. Alguns deputados ganharam 500 mil dólares.
Houve compra de votos?
A eleição do Tancredo foi um negócio absurdo. O pessoal do dinheiro não queria o Maluf, porque entendia que ele seria a continuidade do governo Figueiredo. Então, despejaram dinheiro.
Quanto?
O necessário para comprar os nossos votos. O meu não compraram. Dei minha palavra a Maluf e cumpri. Isto (de comprar voto) corre muito no Congresso e serve de ajuda para pagar dívida de campanha. Aliás, não foi a única vez que recusei vender meu voto. Na (emenda de) reeleição de FHC (Fernando Henrique Cardoso, em 1995), me ofereceram também dinheiro para votar com o governo. Não votei, porque a emenda valei para o FHC mas não para o Maluf, em São Paulo, que teve de colocar o (Celso) Pitta. A popularidade do Maluf era tanta que seu indicado foi eleito facilmente.
De volta a 1985, por que não denunciou a compra de votos e a doença de Tancredo?
Denunciei. Falei na Hebe, no Faustão. E ainda fui à tribuna pedir que os candidatos se submetessem à junta médica. Queria saber se realmente tinham condições de governar o país. A reação foi violenta. Só não me quebraram porque estávamos dentro do Congresso. A história mostrou quem estava certo.
Após 20 anos de ditadura, o retorno ao governo civil veio tarde?
Veio na hora certa. O governo militar tinha o apoio civil e era cercado de civis. Lamento que tenhamos sidos enganados, porque ganhou o Tancredo e quem levou foi o (José) Sarney, que diga-se: foi um belo presidente. Digo mais: Sarney deu muito mais ao Maranhão do que deveria. De qualquer forma, para muitos veículos, como a Rede Globo, a abertura não era algo urgente. Tanto que demorou entrar com cobertura das Diretas Já. Para a Globo, como para muita gente, tudo estava ótimo. Os militares não mataram. Estende-se um tapete vermelho para Fidel Castro. Realmente, Fidel não torturou ninguém. Matou logo.
A tortura, então, foi e é aceitável?
A tortura é necessária! É necessária em determinados crimes monstruosos. Você não vai conseguir que confessem, se não houver tortura.
Pessoas inocentes podem confessar justamente pela tortura.
Nada. Bobagem. Esse policial que matou a Mércia (Nakashima) e a jogou viva no rio... até hoje não confessou! Então, às vezes, os militares tiveram que usar (a tortura). Aliás, hoje ainda se usa a tortura. Em muitos casos, a tortura se faz necessária.
É crime.
Crimes são as barbaridades que ocorrem todos os dias e que não aconteciam antes.
Ocorriam. É só ler os jornais da época.
Não como hoje. E ainda tem a corrupção que não existia antes.
Agnaldo, a imprensa não podia denunciar.
Todos militares morreram pobres ou com padrão médio.
O senhor disse que o Ziraldo foi quem o apresentou a Tancredo. Ele é de esquerda. Se davam bem?
Sim. Tenho uma paixão especial por Ziraldo. Ele é um cara de esquerda diplomático. Nunca foi agressivo. E apesar da nossa boa relação, sempre o contestei. O mundo não é esquerda. O mundo é capitalista. Os países que optaram pela esquerda se deram mal.
Cuba resiste.
A ditadura cubana acabou. E destruiu tudo. Foi tudo para cucuia. Vão ter que abrir tudo para recuperar o país que eles destruíram.
Mas tem os melhores índices em educação da América Latina e exporta saúde pública.
Uma ova. O médico ganha 20 dólares. Me dá um nome de um jogador famoso. O de um cantor famoso. Lá só tem lutador de boxe.
Não é assim. Há livros traduzidos para o português.
Olha, bom mesmo é o Brasil. Aqui você tem direito a trabalhar e vencer na vida. Dá nojo essa história da Comissão Nacional da Verdade. Verdade de quê? Só se for deles. Mandei e-mail para eles.
O que responderam?
Eles não querem briga comigo. Quer saber, vocês da imprensa não tem também liberdade. O mundo capitalista não deixa. Me levaram para um debate numa rádio aqui do Rio e dei uma porradinha no (ex-governador) Sergio Cabral. Nunca mais me chamaram. Descobri que não se podia falar mal do Cabral lá. A nossa democracia nos dá o direito de fazer apenas tudo aquilo que eles deixam. E eu pago caro por isso. Há dez anos eu não canto na Globo.
E na ditadura?
Éramos livres. Nunca fui censurado.
O DIA: Em 1985, o senhor já era senador em segundo mandato, mas tinha trocado de partido e ido para o PDT de Leonel Brizola, legenda pela qual tornou-se prefeito. Como foi essa passagem?
Saturnino Braga: Me elegi em 1974, na foi a primeira eleição em que o Brasil manifestou saturação dos militares. Até então, a Arena (partido do governo), dava surras no MDB (partido de oposição), mas ali mostrou-se um descontentamento grande com os rumos da ditadura.
Aqui no Rio, ninguém queria disputar o Senado com o Paulo Torres, da Arena, que era o franco favorito. Mas o Amaral Peixoto me chamou e eu fui. Ganhei dele com base num fator novo, que era a televisão: pela primeira vez você tinha a campanha parecida com o que é hoje, a diferença é que era tudo ao vivo! Fui bem na tela, saí praticamente do 0 e consegui vencer com dois terços na frente. Em 1980, sai do MDB e fui para o PDT que o Brizola acabara de fundar. Tudo porque o Chagas Freitas (ex-governador do Rio) voltou para o partido, e eu criticava muito ele.
Naquela época, era possível fazer oposição de fato?
Não, por qualquer discurso você poderia ser cassado. Mas era a única trincheira que restava a um regime que era de força. Ou era isso, ou ir para luta armada, feita por um pessoal muito jovem que achava que o povo ia aderir àquela estratégia.
A abertura política iniciada em meados dos anos 1970, terminando com a eleição de Tancredo Neves em 1985, era inevitável para os militares?
Era, não tinha mais jeito. Como disse, em 1974 os chefes militares já perceberam que a população exigia democracia. O Geisel (presidente da República entre 1974 e 1979) preparou a abertura e entregou ao Figueiredo (último ditador, entre 1979 e 1985). Não dava mais tempo para eles.
Internamente, por que a oposição resolveu lançar Tancredo Neves e não o líder do partido, Ulysses Guimarães, naquela eleição?
Se lançasse o Ulysses, seria um desafio aos militares. Ele era, digamos, um político mais radical, um líder de fato e frontalmente antimilitar. Ulysses dizia que, se a eleição fosse direta, o candidato teria que ser ele, mas como não era, precisava ser o Tancredo. Aceitar o José Sarney como vice também não foi difícil, porque, apesar da ligação dele com os militares, ele também era próximo do PMDB.
Como foi a sessão do Congresso há 30 anos?
Não houve surpresa alguma. A gente sabia que o Tancredo iria ganhar, e, a partir dali, ia ter mudança na Constituição, eleição direta...
Já se sabia que o Tancredo estava doente?
Era um boato, mas garanto que o Tancredo parecia estar bem forte. Um mês antes da eleição, ele foi visitar parlamentar por parlamentar reforçando o compromisso de restabelecer a democracia.
Seria muito diferente se ele tivesse assumido de fato, e não o Sarney?
Não. O Tancredo não teria percorrido um caminho diferente do Sarney, que só seguiu o ministeriado que já estava pronto antes. Seguiu apenas a programação política feita pelo PMDB. Tancredo não é herói nacional, era um político conciliador, que acabou se tornando heroico num momento de tragédia.
O Aécio Neves, durante a campanha presidencial em 2014, usou muito a imagem do avô, falou muito nele. O que pensa disto?
Normal, não é? Mas ele está muito mais para Aécio Cunha (ex-político da Arena) do que para Aécio Neves.
É a favor da revisão da Lei da Anistia?
Foi uma das condições da transição, é preciso respeitar os pactos. Nessa transição, o Brasil provou mais uma vez sua vocação de mudar sem dar um tiro, sem nunca ter confronto. O que é preciso, agora, é os militares contarem a história, abrirem os arquivos. Cadê o Rubens Paiva? (político desaparecido em 1971). É o que falta para gente completar a transição.
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